sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Plano de saúde: a operadora pode negar cobertura a tratamento indicado como adequado pelo médico?



Recentemente, uma prima que precisava realizar uma cirurgia para colocação de uma prótese no joelho, teve a cobertura negada pelo seu plano de saúde com o argumento de que a prótese indicada pelo médico – importada – não estava na lista de tratamentos fornecidos pelo contrato firmado entre as partes. A cobertura dada englobava apenas a prótese nacional.

É certo que é sempre importante estarmos atentos às redações da cláusulas contratuais de tudo aquilo que contratamos, a fim de sabermos direitinho quais são os nossos direitos e os nossos deveres.

Mas também não podemos esquecer que a relação havida entre as operadoras de plano de saúde e os seus segurados é uma relação de consumo que envolve um contrato com um objeto prestacional incerto, justamente por se tratar de um contrato de risco. Podemos (e, na realidade, esse é o maior desejo de todos os segurados!) simplesmente pagar por anos um plano de saúde sem nunca ter necessidade de acioná-lo.

E são esses consumidores – que pagam pelo plano e não o utilizam, por (felizmente) não ter necessidade – que acabam garantindo a possibilidade de a seguradora arcar com o tratamento daqueles segurados que necessitam de determinados procedimentos. É assim em todo contrato de seguro, e o plano de saúde não deixa de ser um.

Além disso, também é importante destacar que a finalidade desses contratos é o amparo médico-hospitalar visando a garantir o direito à vida. Assim, a negativa ou exclusão, a princípio, de determinado tipo de procedimento médico da cobertura ofertada pelo plano de saúde, fere a própria finalidade do contrato, se o aquilo que tiver sido negado for essencial para garantir a saúde e a vida do segurado.

Esse é o entendimento da maioria da jurisprudência do nosso país, merecendo destaque o julgado da Ministra do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Nancy Andrighi que trazemos abaixo: 

Direito civil. Contrato de seguro em grupo de assistência médico-hospitalar, individual e familiar. Transplante de órgãos. Rejeição do primeiro órgão. Novo transplante. Cláusula excludente. Invalidade. 
- O objetivo do contrato de seguro de assistência médico-hospitalar é o de garantir a saúde do segurado contra evento futuro e incerto, desde que esteja prevista contratualmente a cobertura referente à determinada patologia; a seguradora se obriga a indenizar o segurado pelos custos com o tratamento adequado desde que sobrevenha a doença, sendo esta a finalidade fundamental do seguro-saúde.
- Somente ao médico que acompanha o caso é dado estabelecer qual o tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acometeu o paciente; a seguradora não está habilitada, tampouco autorizada a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor.
- Além de ferir o fim primordial do contrato de seguro-saúde, a cláusula restritiva de cobertura de transplante de órgão acarreta desvantagem exagerada ao segurado, que celebra o pacto justamente ante a imprevisibilidade da doença que poderá acometê-lo e, por recear não ter acesso ao procedimento necessário para curar-se, assegura-se contra tais riscos.  
- Cercear o limite da evolução de uma doença é o mesmo que afrontar a natureza e ferir, de morte, a pessoa que imaginou estar segura com seu contrato de “seguro-saúde”; se a ninguém é dado prever se um dia será acometido de grave enfermidade, muito menos é permitido saber se a doença, já instalada e galopante, deixará de avançar para a o momento em que se tornar necessário procedimento médico ou cirúrgico que não é coberto pelo seguro médico-hospitalar contratado.
- A negativa de cobertura de transplante – apontado pelos médicos como essencial para salvar a vida do paciente –, sob alegação de estar previamente excluído do contrato, deixa o segurado à mercê da onerosidade excessiva perpetrada pela seguradora, por meio de abusividade em cláusula contratual.
- A saúde é um direito social constitucionalmente assegurado a todos, cuja premissa daqueles que prestam tal assistência, deve ser a redução de riscos de doenças, para a sua promoção, proteção e recuperação, seja no plano privado, seja na esfera da administração pública.
- O interesse patrimonial da seguradora de obtenção de lucro, deve ser resguardado, por se tratar de um direito que lhe assiste, desde que devidamente prestado o serviço ao qual se obrigou, isto é, desde que receba o segurado o tratamento adequado com o procedimento médico ou cirúrgico necessário, que possibilite a garantia da saúde por inteiro, prestado de forma eficiente, integral e com qualidade, conforme assumido contratualmente e estabelecido constitucionalmente.
- Assegura-se o lucro, desde que assumidos os riscos inerentes à tutela da saúde, tais como expostos na Constituição Federal, que não podem ficar somente a cargo do consumidor-segurado; fatiar a doença, ademais, não é o modo mais correto para obtenção de lucro.
- Com vistas à necessidade de se conferir maior efetividade ao direito integral à cobertura de proteção à saúde – por meio do acesso ao tratamento médico-hospitalar necessário –, deve ser invalidada a cláusula de exclusão de transplante do contrato de seguro-saúde, notadamente ante a peculiaridade de ter sido, o segurado, submetido a tratamento complexo, que incluía a probabilidade – e não a certeza – da necessidade do transplante, procedimento que, ademais, foi utilizado para salvar-lhe a vida, bem mais elevado no plano não só jurídico, como também metajurídico.
Recurso especial conhecido, mas, não provido.
(REsp 1053810/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 15/03/2010).

E mais, sempre é bom destacar que a necessidade de um tratamento não comporta discussões por parte do plano de saúde. Não é atribuição da instituição perquirir acerca do tratamento mais ou menos adequado para o beneficiário, sendo essa função exclusiva do médico.

Caso você esteja passando por uma situação dessas, consumidor, vale a pena além de procurar os Órgãos de Defesa do Consumidor, também denunciar a conduta da operadora de plano de saúde para a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), pois pela Resolução 124 dessa Agência, situações desse tipo configuram infrações passíveis de penalidades que vão desde aplicação de multas até, dependendo do caso e das circunstâncias, o cancelamento da autorização de funcionamento.

Por Marcela Savonitti. 

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